sábado, 25 de agosto de 2007

A mais bonita - Chico Buarque


"Não, solidão, hoje não quero me retocar

Nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas

Deixo que as águas invadam meu rosto

Gosto de me ver chorar

Finjo que estão me vendo

Eu preciso me mostrar bonita

Pra que os olhos do meu bem

Não olhem mais ninguém

Quando eu me revelar

Da forma mais bonita

Pra saber como levar todos os desejos que ele tem

Ao me ver passar bonita

Hoje eu arrasei na casa de espelhos

Espalho os meus rostos e finjo que finjo que finjo

Que não sei..."

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Só de sacanagem - Elisa Lucinda



"Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?

Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?
Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.

Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.
Só de sacanagem!

Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."
Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal".

Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!"

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Quando encontrar alguém - Carlos Drummond de Andrade



"Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.

Se os olhares se cruzarem e, neste momento, houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.

Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d'água, neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.

Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar junto chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente divino - o amor.

Se um dia tiverem que pedir perdão um ao outro por algum motivo e em troca você receber um abraço, um sorriso, um afago nos cabelos e os gestos valerem mais que mil palavras, se entregue: vocês foram feitos um para o outro.

Não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: o AMOR."

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

O país das atrizes - Oswaldo Montenegro



"E cada personagem é o fascínio
E não há quem possa explicar
A mágica do mágico na minha alma de atriz
Há de transformar
A pérola dos olhos ilumina o que eu for
Onde quer que eu vá
E cada personagem é a menina que eu fui
E a que virá
E o rosto da pessoa que eu quero ser
Está em cada rosto que eu me pintar
E cada mil pessoas que eu for fingindo que serei
Eu serei quando alguém vir em mim o que ele será."

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Fanatismo - Florbela Espanca


"Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida. Meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer razão de meu viver, pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada, assim, enlouquecida... Passo no mundo, meu amor, a ler no misterioso livro do teu ser a mesma história tantas vezes lida! 'Tudo no mundo é frágil, tudo passa...', quando me dizem isto, toda a graça duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, vivo de rastros: 'Ah! Podem voar mundos, morrer astros, que tu és como Deus: princípio e fim!..."

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Para uma menina com uma flor - Vinícius de Moraes


"E porque eu me levanto para recolher você no meu abraço, e o mato à nossa volta se faz murmuroso e se enche de vaga-lumes enquanto a noite desce com seus segredos, suas mortes, seus espantos - eu sei, ah, eu sei que o meu amor por você é feito de todos os amores que eu já tive, e você é a filha dileta de todas as mulheres que eu amei; e que todas as mulheres que eu amei, como tristes estátuas ao longo da aléia de um jardim noturno, foram passando você de mão em mão, de mão em mão até mim, cuspindo no seu rosto e enfeitando sua fronte de grinaldas; foram passando você até mim entre cantos, súplicas, vociferações - porque você é linda, porque você é meiga e sobretudo porque você é uma menina com uma flor."